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  • Foto do escritorMarcello Rocha de Figueiredo

Compaixão e Redenção


Uma das passagens bíblicas mais marcantes e que na minha modesta opinião, carrega um dos mais simbólicos ensinamentos do Cristianismo é a redenção da mulher surpreendida em pecado capital, narrada no evangelho de João (também conhecida como a “Perícopa da Adúltera”).

Conquanto muitos ainda acreditem que Maria Madalena seja a protagonista daquela história, estudiosos concluem que não se trata da mesma pessoa.

Flagrada em adultério (embora não haja pistas se era casada ou não) numa sociedade machista, marcada pela intolerância religiosa, uma mulher indefesa é humilhada e arrastada até à presença de Jesus, o Cristo, por religiosos, escribas e fariseus. Oportunistas, eles vêm a oportunidade que tanto almejavam para criar uma cilada para Jesus e desmoralizá-lo diante do povo e de seus seguidores.

Imagino uma cena de cinema, com toda a carga da dramaticidade psicológica de um Martin Scorsese: no meio da multidão, Jesus, cabisbaixo, sentado na beira do caminho, sob um sol escaldante, desenhando figuras disformes no chão; à sua frente, uma mulher apavorada, subjugada nas mãos de uma turba de fanáticos sedentos por sangue e desgraça.

“Mestre, esta mulher foi pega em adultério. Devemos apedrejá-la?”

A pergunta corta o ar como uma adaga. Instantes tornam-se uma eternidade. À mulher, resta-lhe a resignação de uma ovelha esperando pela imolação.

Os homens ao redor, bufando e empunhando pedras, aguardam impacientemente o veredito para malharem a mulher.

Alguém repete a pergunta. Jesus, sem interromper os seus rabiscos, com um meneio de cabeça, apenas admoesta, quase sussurrando:

“Quem dentre vós, não tiver pecado, atire a primeira pedra.”

Um silêncio paira sobre todos os presentes, sendo quebrado pelos passos envergonhados dos homens afugentando-se do local como uma revoada de abutres espantados da carniça.

Passado um breve momento, Jesus finalmente levanta a cabeça e mira apenas a mulher ajoelhada e cabisbaixa, imersa em soluços.

“Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?”

“Ninguém, senhor!”

“Nem tampouco eu te condeno. Vá, e não peques mais.”

Essa última frase, partindo de quem a proferiu, é o ápice da compaixão e do amor ao próximo.

Confesso que nunca vi nas Sagradas Escrituras, outra passagem onde a misericórdia e a redenção triunfassem de forma tão arrebatadora, tão humana (Aliás, nunca vi isso em nenhum outro lugar na História da Humanidade!).

Acredito que, de todos os prodígios, de tudo o que Jesus pregou e praticou (mais até que a expulsão dos vendilhões no templo), o que foi mais determinante para a sua crucificação foi justamente esse episódio: como poderia, numa sociedade machista e puritana, admitir-se que uma mulher, flagrada em ato indecoroso, escapasse de uma punição e os seus “santos carrascos” ainda fossem “chamados” de pecadores aos olhos de todos?

Nesse contexto, um jovem messiânico com “tais ideias subversivas e controvertidas”, e com um grande carisma sobre as massas, representava muito mais perigo para a elite judaica que a própria dominação romana. Àquele Justo, não restaria outro destino, senão a crucificação pelos seus próprios conterrâneos. E isso, para aquela sociedade, valia muito mais que o cumprimento de uma profecia ou a remissão dos pecados da Humanidade...

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